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quinta-feira, 8 de março de 2012

Um memorável sabor de alma

Quê abalaria, àquelas horas da noite - já consertadas suas existências auto afirmadas - uma alma controlada?
Tinha corpos que recitavam poesia, outros travestindo carrancas... em síntese, incorporava uma dialética fina, quase sem linha separadora. Os corpos todos sublimados sob o intenso regime ditatório da consciência, afirmando apenas viver liberdade de escolha...
Dizia escolher a dimensão na qual viveria, recebendo, assim, desafetos e calores nas faces rubro-contidas dos “universos adversos” com os quais convivia, energias das quais sua consciência aprendera a desviar, levando consigo corpo, alma e espirito para que não se afetassem por estes mundos sem dono – ora alheios ora seus.
Pressuposto dizer que, aos desavisados entender a liberdade como integrante da população de seus sentimentos seria bobagem, derrubava as inquietações alheias com comandos ardilosamente preparados para manter seu contato com o mundo de forma mais controlada possível, e por fim, unia o mundo todo em todos somos Um. Assim recitava a intensa marcha funérea para nosso incontido sentimento de apartabilidade... todos somos Um.
Enquanto saboreava aos poucos pequenos pedaços do que seria verdade, brincava de achar sentimentos, desvendar pessoas, mundos, moléculas, ideologias... Enlaçava com as mãos a Via-Láctea-em-flor no quintal de casa.
Lidava, quase impossivelmente, tão bem com a contradição de ser/estar/permanecer e ainda lhe restava um memorável sabor de alma na boca. Imaginava ser este o sabor que tinham suas incursões pela física quântica, neurolinguística e autocontrole, nunca impunes, as vezes mais alheias que suas.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Trecho de livro: Dostoievski

"Uma noite prodigiosa, uma dessas noites que talvez só vejamos quando somos novos (...) O céu estava tão fundo e tão claro que ao olhá-lo uma pessoa era forçosamente levada a perguntar-se se seria possível que debaixo de um céu daqueles pudessem viver criaturas más e tenebrosas. Questão esta que, para dizer a versade, só é costume levantar-se quando somos jovens, muito jovens mesmo, querido leitor. Prouvera a Deus que pudésseis reviver com frequência essa idade na vossa alma! Enquanto ia pensando assim em várias pessoas, é claro que acabava por recordar-me involuntariamente do panegírio que a mim próprio eu havia tecido, nesses tempos.
(...)Eu sou amigo de toda a cidade de São Petersburgo (...) Evidentemente que os outros não me conheciam; mas eu... eu os conheço. (...) Sim, posso dizer que uma vez cheguei quase a fazer uma amizade: foi com um homem já de idade (...) Tinha uma cara muito séria e pensativa, movia constantemente os maxilares, como se ruminasse qualquer coisa (...) ficamos quase a ponto de levar a mão ao chapéu, mas felizmente refletimos a tempo, deixamos cair as mãos e passamos um em frente do outro com visíveis sinais de mútua satisfação.
(...)
Disse já como durante três dias fui torturado por uma estranha inquietação, até que finalmente consegui descobrir a sua causa. Não me sentia bem na rua (não via este, nem tampouco aquele, nem aqueloutro, nem estoutro... "Por onde diabo andarão eles?"), e tambem não me sentia bem em casa. (...) Gastei inútilmente duas tardes investigando o que seria que me faltava entre as quatro paredes da minha casa. Porque me sentiria eu tão mal em casa?"
Aos interessados no trecho: é de Dostoievski, caso haja interesse, eu digo o nome do livro.