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terça-feira, 17 de abril de 2007

ITÁLIA - Álvares de Azevedo

ITÁLIA - Álvares de Azevedo


Ao meu amigo o Conde de Fé
Veder Napoli e poi morir.

I

Lá na terra da vida e dos amores
Eu podia viver inda um momento...
Adormecer ao sol da primavera
Sobre o colo das virgens de Sorrento !

Eu podia viver — e porventura
Nos luares do amor amar a vida,
Dilatar-se minh’alma como o seio
Do pálido Romeu na despedida!

Eu podia na sombra dos amores
Tremer num beijo o coração sedento...
Nos seios da donzela delirante
Eu podia viver inda um momento!

Ó anjo de meu Deus! se nos meus sonhos
Não mentia o reflexo da ventura,
E se Deus me fadou nesta existência
Um instante de enlevo e de ternura...

Lá entre os laranjais, entre os loureiros,
Lá onde a noite seu aroma espalha,
Nas longas praias onde o mar suspira
Minh’alma exalarei no céu da Itália!

Ver a Itália e morrer!... Entre meus sonhos
Eu vejo-a de volúpia adormecida...
Nas tardes vaporentas se perfuma
E dorme, à noite, na ilusão da vida!

E, se eu devo expirar nos meus amores,
Nuns olhos de mulher amor bebendo,
Seja aos pés da morena Italiana,
Ouvindo-a suspirar, inda morrendo.

Lá na terra da vida e dos amores
Eu podia viver inda um momento,
Adormecer ao sol da primavera
Sobre o colo das virgens de Sorrento!

II

A Itália! sempre a Itália delirante!
E os ardentes saraus, e as noites belas!
A Itália do prazer, do amor insano, Só um olhar por compaixão te peço,
Um olhar.... mas bem lânguido, bem terno...
...........................................................................
Quero um olhar que me arrebate o siso,
Me queime o sangue, m’escureça os olhos,
Me torne delirante!


ALMEIDA FREITAS


Sur votre main jamais votre front ne se pose,
Brûlant, chargé d’ennuis, ne pouvant soutenir
Le poids d’un douloureux et cruel souvenir;
Votre coeur virginal en lui-même repose.
Th. Gautier

Ricorditi di me...............
DANTE, Purgatório

Quando falo contigo, no meu peito
Esquece-me esta dor que me consome:
Talvez corre o prazer nas fibras d’alma:
E eu ouso ainda murmurar teu nome!

Que existência, mulher! se tu souberas
A dor de coração do teu amante,
E os ais que pela noite, no silêncio,
Arquejam no seu peito delirante!

E quando sofre e padeceu... e a febre
Como seus lábios desbotou na vida...
E sua alma cansou na dor convulsa
E adormeceu na cinza consumida!

Talvez terias dó da mágoa insana
Que minh’alma votou ao desalento...
E consentirás, ó virgem dos amores,
Descansar-me no seio um só momento!

Sou um doudo talvez de assim amar-te,
De murchar minha vida no delírio...
Se nos sonhos de amor nunca tremeste,
Sonhando meu amor e meu martírio...

E não pude, febril e de joelhos,
Com a mente abrasada e consumida,
Contar-te as esperanças do meu peito
E as doces ilusões de minha vida!

Oh! quando eu te fitei, sedento e louco,
Teu olhar que meus sonhos alumia,
Eu não sei se era vida o que minh’alma
Enlevava de amor e adormecia!

Oh! nunca em fogo teu ardente seio
A meu peito juntei que amor definha!
A furto apenas eu senti medrosa
Tua gélida mão tremer na minha!...

Tem pena, anjo de Deus! deixa que eu sinta
Num beijo esta minh’alma enlouquecer
E que eu viva de amor nos teus joelhos
E morra no teu seio o meu viver!

Sou um doudo, meu Deus! mas no meu peito
Tu sabes se uma dor, se uma lembrança
Não queria calar-se a um beijo dela,
Nos seios dessa pálida criança!

Se num lânguido olhar no véu de gozo
Os olhos de Espanhola a furto abrindo
Eu não tremia... o coração ardente
No peito exausto remoçar sentindo!

Se no momento efêmero e divino
Em que a virgem pranteia desmaiando
E a c’roa virginal a noiva esfolha,
Eu queria a seus pés morrer chorando!

Adeus! Rasgou-se a página saudosa
Que teu porvir de amor no meu fundia,
Gelou-se no meu sangue moribundo
Essa gota final de que eu vivia!

Adeus, anjo de amor! tu não mentiste!
Foi minha essa ilusão e o sonho ardente:
Sinto que morrerei... tu, dorme e sonha
No amor dos anjos, pálido inocente!

Mas um dia... se a nódoa da existência
Murchar teu cálix orvalhoso e cheio,
Flor que respirei, que amei sonhando,
Tem saudade de mim, que eu te pranteio!

Do sonho fervoroso das donzelas!

E a gôndola sombria resvalando
Cheia de amor, de cânticos e flores...
E a vaga que suspira à meia-noite
Embalando o mistério dos amores!

Ama-te o sol, ó terra da harmonia,
Do levante na brisa te perfumas:
Nas praias de ventura e primavera
Vai o mar estender seu véu d’escumas!

Vai a lua sedenta e vagabunda
O teu berço banhar na luz saudosa,
As tuas noites estrelar de sonhos
E beijar-te na fronte vaporosa!

Pátria do meu amor! terra das glórias
Que o gênio consagrou, que sonha o povo...
Agora que murcharam teus loureiros
Fora doce em teu seio amar de novo...

Amar tuas montanhas e as torrentes
E esse mar onde bóia alcion dormindo,
Onde as ilhas se azulam no ocidente,
Como nuvens à tarde se esvaindo...

Aonde à noite o pescador moreno
Pela baía no batel se escoa...
E murmurando, nas canções de Armida,
Treme aos fogos errantes da canoa...

Onde amou Rafael, onde sonhava
No seio ardente da mulher divina,
E talvez desmaiou no teu perfume
E suspirou com ele a Fornarina...

E juntos, ao luar, num beijo errante
Desfolhavam os sonhos da ventura
E bebiam na lua e no silêncio
Os eflúvios de tua formosura!

Ó anjo de meu Deus, se nos meus sonhos
A promessa do amor me não mentia,
Concede um pouco ao infeliz poeta
Uma hora da ilusão que o embebia!

Concede ao sonhador, que tão-somente
Entre delírios palpitou d’enleio,
Numa hora de paixão e de harmonia
Dessa Itália do amor morrer no seio!

Oh! na terra da vida e dos amores
Eu podia sonhar inda um momento,
Nos seios da donzela delirante
Apertar o meu peito macilento


Maio, 1851. — S. Paulo