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terça-feira, 17 de abril de 2007

Cantiga - Álvares de Azevedo

Cantiga - Álvares de Azevedo


I
Em um castelo doirado
Dorme encantada donzela...
Nasceu; e vive dormindo
— Dorme tudo junto dela.

Adormeceu-a, sonhando,
Um feiticeiro condão,
E dormem no seio dela
As rosas do coração.

Dorme a lâmpada argentina
Defronte do leito seu;
Noite a noite a lua triste
Vem espreitá-la do céu.

Voam os sonhos errantes
Do leito sob o dossel
E suspiram no alaúde
As notas do menestrel.

E no castelo, sozinha,
Dorme encantada donzela...
Nasceu; e vive dormindo
— Dorme tudo junto dela.

Dormem cheirosas, abrindo,
As roseiras em botão...
E dormem no seio dela
As rosas do coração.

II
A donzela adormecida
É a tua alma, santinha,
Que não sonha nas saudades
E nos amores da minha.

— Nos meus amores que velam
Debaixo do teu dossel
E suspiram no alaúde
As notas do menestrel.

Acorda, minha donzela,
Foi-se a lua, eis a manhã
E nos céus da primavera
É a aurora tua irmã.

Abriram no vale as flores
Sorrindo na fresquidão:
Entre as rosas da campina
Abram-se as do coração.

Acorda, minha donzela,
Soltemos da infância o véu...
Se nós morrermos num beijo,
Acordaremos no céu.